Peregrinando para Deus (Diário sobre a Oração de Jesus)

7 06 2013

hisgrabadoperegrino

Iuriev: Sérgio Mironovich Paul (Sérgio N. Bolshakov)

Em 1924 conheci Sérgio Mironovich Paul em Iuriev (Tartu, na Estônia). Era o filho mais velho de M.A. Paul, primeiro vice-governador estônio que chegou a ocupar este posto. M. A. Paul formou-se na academia teológica de São Petersburgo, onde foi um dos alunos favoritos do arquimandrita Antônio Krapovitsky, que foi mais tarde metropolita de Kiev.

Depois de sair da academia, entrou no serviço civil escalando posições até chegar a vice-governador. Morreu no cargo, no umbral de uma brilhante carreira. Sérgio Mironovich, ao terminar sua educação secundária, entrou na universidade, e durante a guerra cursou a Escola Militar, de onde saiu como oficial. Lutou na Primeira Guerra Mundial e depois na guerra civil. Foi gravemente ferido durante a guerra, na marcha do Ártico. Uma bala entrou-lhe pelo olho esquerdo e saiu pelo ouvido direito, ficando cego de um olho e surdo de um ouvido. Algumas partes do cérebro ficaram lesionadas, de modo que tinha de ser operado do cérebro cada três anos. Mas tudo isso não o irritava nem alterava. Sérgio Mironovich sempre estava de bom humor. Era bondoso e nunca julgava ninguém. Só conheci outro homem tão especial como ele: o falecido arcebispo de Cantuária, William Templar.

Ao voltar à Estônia, Sérgio Mironovich terminou brilhantemente a universidade de Iuriev e quando devia preparar-se, como professor, para assumir a cátedra de química, entrou para o noviciado no mosteiro de Pskov.

Havia algo em Sérgio Mironovich que lembrava o príncipe Mishkin de “O Idiota”, de Dostoievsky, e mais ainda a Aliosha Karamazov. Como este, jamais se preocupava com o que comer, com o que beber ou com o que vestir, e se arranjava muito bem. Nunca pensava em sua carreira. Era simples, embora fosse muito culto e erudito. Dava tudo o que tinha. Esteve três anos no mosteiro de Pskov, mas não chegou a professar, pois, como Aliosha Karamazov, voltou ao mundo, e o fez como ele, por ordem de seu staretz, o hieromonge Basian, que morreu aos noventa e três anos, num mês de agosto da década de 50.

Sérgio Mironovich, – disse-lhe o Padre Basian – volte ao mundo. Lá há pessoas que necessitam de você, muito mais do que aqui. Ensine-lhes com o exemplo de sua vida, e chegará o momento em que você voltará, se Deus assim o permitir.

Depois de sua saída do mosteiro, Sérgio Mironovich viveu um tempo na casa de meu falecido irmão Constantino, e mais tarde foi nomeado administrador de um laboratório químico. Morreu, segundo ouvi dizer, por volta dos anos 40.

Sérgio Mironovich tinha aprendido a Oração de Jesus quando ainda estava no mosteiro sérvio, no começo do ano de 1920. Fez admiráveis progressos nela e conseguiu logo o silêncio interior, a contínua serenidade e a alegria.

Eu o encontrava com freqüência em luriev e no mosteiro de Pskov. Um dia veio à cela que eu ocupava. Esta cela era das antigas, do tempo de São Cornélio. Nela, segundo a tradição, haviam estado Ivan o Terrível, e Pedro o Grande. Ali viveu o hieromonge Lázaro, a quem visitou Alexandre, e o monge ermitão Teodósio, a quem visitou Nicolau II. A cela comunicava com a igreja por uma caverna, e as cavernas por meio de corredores.

– Irmão Sérgio – perguntei ao noviço como está se adaptando à nova situação?

– Muito bem, melhor que na Sérvia, onde havia muitos intelectuais russos. Sem eles é melhor.

– Por quê?

– Porque a gente simples, como a daqui, é íntegra, e os intelectuais se afastaram de uma margem e não chegaram à outra. Lutam entre si. Perderam a antiga e íntegra fé dos antepassados. Aqui somente o superior e um hierodiácono receberam educação, mas os outros são simples e obscuros camponeses. Quando cheguei, meu staretz o Padre Basílio, padre espiritual do mosteiro, medisse: “Olhe, Sérgio Mironovich, você já viveu num mosteiro da Sérvia e conhece o que é esta vida. São Teófano, o Recluso, escreveu com sabedoria: ‘Se você está no mosteiro, se dedique à solidão, à igreja e à cela’. Na sua cela, você aprenderá tudo, mas se começar a buscar conversa com os irmãos e a escutar tudo o que se diz, não só terminará por sair do mosteiro, mas acabará perdendo a fé. Você se admirará de ver quantos anos vivem alguns em comunidade e, no entanto, estão cheios de inveja e vanglória e vazios por dentro. Você aprendeu a Oração de Jesus. Exercite-se nela e, para se aconselhar, dirija-se ao Padre Arcádio, que ele sabe muito. Assim vivo eu, negando-me a todo diálogo e conversa. Por isso, me consideram orgulhoso”.

– Sérgio Mironovich, é muito útil a Oração de Jesus?

– Muito. Mas tem de ser feita com espírito manso, pois alguns caem facilmente na soberba espiritual e se sobreestimam a si mesmos.

– Sérgio Mironovich, muitos estudam o hinduísmo e o budismo, mas ali não é como aqui.

– Certamente não o é. Segundo os hindus e os budistas, toda dor vem da ignorância e do apego ao mundo, o qual se encontra no mal, e a salvação consiste no aniquilamento da personalidade que se apaga como uma vela ou se dilui como uma gota de água no oceano. Mas ali também existem pessoas maravilhosas. A propósito, ouvi uma estória: no mosteiro do marajá Indi, um dos mais ricos e principais personagens, vivia Divan, um primeiro ministro que era parente seu, jovem, rico e sábio. Todos o invejavam. Um dia, estando num banquete da corte, um dos hóspedes aproximou-se dele e lhe disse: “Você é um homem muito feliz. É conhecido, rico, jovem, sadio. Tem uma família maravilhosa e todos os bens da terra”. E Divan lhe respondeu: “Você acredita que os bens da terra trazem felicidade? Não são por acaso um impedimento para se conseguir a verdadeira felicidade, que é a liberdade de espírito?”

Esta mesma tarde, Divan chamou um criado seu, vestiu diante dele a túnica monástica, tomou um báculo e desapareceu para sempre. Entre os hindus, quem se faz saniasi é um morto em vida, pois perde sua casta e tudo o que possui, mas conquista a suprema liberdade espiritual, sem nenhum vínculo. Há pessoas, entre os hindus e budistas, capazes de grandes sacrifícios, para ‘conseguir a liberdade de espírito, mas nós temos um caminho melhor, do qual nos diz o Evangelho: “Buscai a verdade e a verdade vos tornará livres”.

– Quer dizer que você veio para o mosteiro em busca da verdade?

– O mosteiro, Sérgio Mironovich, é escola de espiritualidade, como escreve são Bento, que você venera, porém não é uma escola formal como o seminário, mas uma experiência espiritual.

– E encontra o que busca?

– Sobre isto o staretz sabe mais que eu. Quisera ficar aqui, mas se o staretz me mandar para o mundo, irei como foi Aliosh Karamazov, com a bênção do staretz Zosima. E sabe de uma coisa? Você está mais perto de Aliosha que eu; Em mim existe ainda alguma coisa do príncipe Mishkin. Você está aqui há três meses: observa, aprende especialmente com os Padres Arcádio e Basian, e isto lhe será necessário a seu tempo, quando começar a vida de peregrino para o Oeste, entre gente de outras culturas e de outras mentalidades. Mas sobretudo, conserve a Oração de Jesus: eu me mantenho só com ela.

Sabe a que conclusão cheguei depois da guerra civil? Não praticar jamais a violência. Do ponto de vista cristão, em vez de vingança e irritação, é melhor a submissão. A violência não é eterna e prejudica mais o violento que a sua vítima. Na guerra civil se cometiam atrocidades de ambos os lados. E com que resultado? Os brancos foram vencidos e os vermelhos se devoram e se destroem uns aos outros, e isto é só o princípio; logo virão as conseqüências.

Devemos abandonar tudo isto e nos lembrar que Deus é amor e que temos de adorá-lo em espírito e verdade. Com a Oração de Jesus se adora em espírito e em verdade.

Fonte:http://www.ecclesia.com.br


Ações

Information

Deixe um comentário.